quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A casa do lado (parte 3)

Corri até o quartinho quase de olhos fechados, mas antes de entrar olhei pra cima. Lá no último andar tinha uma janela para os fundos, na mesma direção da janela que dava para a frente. Vi a velhinha, na mesma postura, na mesma posição, olhando a gente. Gelei da cabeça aos pés, quase desmaiei e dei um grito quando Clara segurou meu braço mostrando a caixa de biscoitos que havia achado. Olha só, esta fechada, vamos comer? Não, não! Saí correndo e caí tentando escalar o muro. Fiquei colada à parede até o primo de Clara aparecer e me ajudar a pular.


Segura, do meu lado do muro, comecei a chamar Clara e o primo para que voltassem. O menino veio, mas sozinho. Disse que depois de me ajudar, voltou ao depósito e não encontrou Clara. Chamou, teve medo de gritar e acordar alguém. Era melhor esperarmos, sugeriu. Eu aceitei, apavorada. Fiquei sentada na varanda olhando a casa ao lado à espera da minha amiga. Foi quando uma luz se acendeu no último andar. Quase tão rápido quanto um piscar, não tive tempo para avisar ao menino. Quando me virei para contar a ele o que tinha visto, ele estava dormindo, encolhido no tapete como um cachorro, com as unhas sujas e o cabelo bagunçado.


Quando pisquei de novo já era dia, eu dormi na cadeira da varanda e o primo de Clara no chão. Minha mãe saiu da casa correndo, com a cara apavorada, por um momento pensei que ela soubesse o que acontecera com Clara. Ela se assustou ao ver o menino dormindo no chão e começou a pedir explicações enquanto nos levava pra dentro de casa.


Clara estava desaparecida e eu sabia o que tinha acontecido. Mas aparentemente, pelo menos para os adultos, o desaparecimento da menina em nada tinha a ver com a invasão à casa dos vizinhos na noite anterior. Soube que a polícia entrara na casa ao lado e revistara tudo. Lá apenas dois casais de idosos vivendo sob os cuidados dos filhos. No depósito dos fundos, nada além de velharia. As comidas velhas e estragadas foram jogadas fora e um policial ainda os aconselhou a tomar cuidado, pois a vizinhança estava cada vez mais perigosa.


Triste pelo desaparecimento de Clara e com medo de que o mesmo pudesse acontecer comigo, minha família resolveu se mudar. Sai de casa um pouco aliviada. Dentro do carro olhei pela última vez a casa ao lado. Na janela do último andar vi a velhinha com uma lata de biscoitos no colo, segurando a coleira de um imenso cachorro.

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