segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O espelho

Claudia se olhava no espelho oval. Já era noite e não havia muito barulho lá fora, às vezes passos, às vezes latidos. O espelho era tão antigo quanto as paredes daquela casa que também refletiam formando uma moldura negra ao redor da cabeça de Claudia. Eram muitos anos de fumaça impregnada pretejando os tijolos rudes e criando aquele odor tão peculiar a casa.
Se olhava e se via linda. As lentes de contato verdes pareciam naturais. Mas o nariz era bruto demais, quem sabe se um dia ganhasse muito dinheiro pudesse fazer uma plástica para afiná-lo. O vestido estava bom, velho, mas sempre reformado de acordo com a moda. Tudo lhe caía bem.
A fumaça no ambiente começava e se adensar e embaçar o espelho. Claudia passava sua bolsa, muito pequena e quase vazia, pelo vidro e voltava a contemplar sua beleza procurando manchas e espinhas que a maquiagem se recusava a esconder. Mas para quê? Mesmo sem maquiagem sua beleza era superior. No trabalho isso causava muitas brigas, as outras não a queriam por perto roubando todas as atenções. Mas suas amigas, as verdadeiras, diziam: Claudia, você é a mais bonita de nós, um dia vai tirar a sorte grande e encontrar alguém que te leve daqui. Tinha fé nisso.
Um rumor de passos vinha em direção a casa. Aos poucos o som das chinelinhas de couro se aproximava tirando Claudia de dentro de seus pensamentos e fazendo com que se desse conta do calor que fazia ali.
Carlos, Carlos, meu filho, a sopa está pronta, toma um pouco antes de ir trabalhar. Sim mamãe, mas só um pouco. Precisava manter seu corpo enxuto e belo, precisava trabalhar ainda mais para dar uma casa de verdade com um fogão de verdade para sua mãe.
Se pudesse largava tudo e ia embora, mas não podia abandoná-la. Olhava a mãe comendo em sua frente. Agora o espelho refletia o topo das duas cabeças. Já vou mamãe. Vá com Deus, meu filho.
Deu a última olhada do espelho, ajeitou o vestido e saiu bamboleando sobre o salto alto de verniz.

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