quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Cinderela Carioca

Recebeu do comandante uma bucha, fósforos e um litro de gasolina. Procura um carro, manda os passageiros descerem, se precisar, atira no motorista e joga o corpo pra queimar junto. Põe fogo em tudo pra eles saberem que nós não vamos ficar quietos.

O comandante (fada-madrinha) o incumbia pela primeira vez uma missão importante.

Pegou a sacola com o material, vestiu um boné, calçou chinelos e seguiu. Com medo. Se viu com muito mais medo do que imaginava.

Muitos ônibus passavam pela avenia principal e pensava "no próximo entraria". Espera parar no ponto. Não, esse está muito cheio. A rua lotada, poderiam pegá-lo.

Avistou um coletivo quase vazio parado num ponto. Uma chance. Foi andando em ziguezague entre os transeuntes e entou no ônibus, passageiro habitual. Odenou que descessem, molhou a bucha, jogou um pouco de gasolina no assoalho. Sentiu respingar-lhe o líquido. Preparou-se para correr e riscou o fósforo.

A chama o hipnotizou por uns segundo. O corpo detido no veículo sentiu o pé queimando, mas ainda demorou a se mover. Conseguiu fugir e no último degrau perdeu o pé de chinelo que estava em chamas.

Correu o mais que pôde sem olhar para trás. Não acreditava na liberdade. O coração ardendo como o ônibus, o pé chamuscado de asfalto quente.

Finalmente, chegando ao ponto combinado com o comendante, foi olhado da cabeça aos pés (semi-descalços). Estou sabendo que não fez como eu mandei. Mas está bom, dei meu recado.

Recobrada a cor, recebeu um tapinha nas costas sem sorriso e um cascudo sobre o boné. O pé ardia como se nunca tivesse descido daquele ônibus.