quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Urubu

Quando cheguei ao meu quarto vi, em pé, ao lado da cama, um enorme urubu. Daqueles que a gente vê no céu, percebe que é grande, mas não o quanto. Fui andando devagar para trás, olhando nos olhos do bicho, morrendo de medo que acontecesse comigo o mesmo que com o personagem do conto de Kafka. Já imaginava o urubu descendo pela minha garganta, bicando minhas entranhas.

Consegui ultrapassar de ré o portal do quarto e, bem devagar para não atraí-lo, cheguei à cozinha. “Pelo amor de Deus, tem um urubu na minha casa”, disse ao porteiro pelo interfone. “Tá cheio de urubu aqui por cima, a senhora não devia deixar a janela aberta”. “Meu senhor, preciso de ajuda, não de conselho”. “A senhora espera um pouco que eu vou chamar o zelador”. Chama a Nasa.

Esperei o zelador com a porta aberta. Não para recepcioná-lo, mas para fugir, caso o urubu se manifestasse. Será que ele já não saiu? Será que ele andou até a sala? Ou voou?

Quando o zelador chegou fomos até o quarto, eu, atrás dele, com a vassoura na mãe. Ele de lanterna - não sei por que, estava de dia- e um pedaço de pau. O homem estava aterrorizado, mal pôs a cabeça pra dentro do quarto e já foi dizendo: “Ih, dona, o bicho é grande demais, não dou conta sozinho, não”. Já sabendo do perigo, o urubu havia ampliado as asas, mostrando sua envergadura multiplicada por dois. Chamamos o faxineiro e, pra garantir, o sindico.

Agora éramos quatro a entrar, pé ante pé, no quarto. Nesse momento o urubu deu apenas uma batida com as asas e alcançou o teto do quarto. Começou a se debater, voar em círculos, dar cabeçadas no ventilador de teto enquanto o faxineiro e o síndico tentavam agarrá-lo toda vez que batia o corpo contra o teto e esse movimento o empurrava para baixo. Nesse sobe e desce eu já tinha perdido a voz de tanto gritar e do zelador nada mais se sabia.

De repente o síndico, que era um senhor bem atlético para a idade, subiu na cama e deu um pulo sobre o urubu. Conseguiu agarrar seu pescoço. Com um esforço enorme dominou o bicho, sem conseguir evitar ser ferido por suas garras e bico. Durante a luta corporal o urubu regurgitou seu putrefato alimento e com essa forma nojenta de defesa contaminou meu colchão, meu ar e a cara do síndico.

Nesse momento, o faxineiro ajudou o síndico e os dois apertaram o pescoço do urubu com tanta força que o mataram. O síndico sujo de vômito de urubu e o faxineiro ficaram ali no meio do quarto, bem onde vi o bicho pela primeira vez, com seu cadáver na mão. E eu no portal, pensando em nunca mais entrar naquele cômodo.
Os dois levaram o urubu morto. Fechei a porta do quarto e chorei a tarde inteira no sofá da sala.

                                                                       ***

Robson chegou à casa do seu primo do outro lado da cidade escondendo a arma, embora soubesse que seus parentes conheciam o teor do seu trabalho.

[continua]

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

livros me dão náuseas 23

Os da minha rua - Ondjaki
Do fundo do poço se vê a lua - Joca Reiners Teron

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Livros me dão náuseas 22

Carvão animal - Ana Paula Maia
O coração às vezes para de bater - Adriana Lisboa