sábado, 27 de agosto de 2011

Livros me dão náuseas 21- extended version

Acabei de terminar o Por que sou gorda, mamãe? da Cíntia Moscovich

Cíntia, seu livro para mim foi um romance de ficção meio autobiográfico, pelo menos me fez pensar assim. Tanto que a identificação foi imediata. Em dieta desde os 12 anos. Comendo comida chata de períodos em períodos da vida. Odiando a academia de períodos em períodos da vida. 

Assim que o livro foi lançado tive curiosidade de ler, Cíntia. Pelo conflito com a mãe, pela narrativa dos antepassados judeus e pela herança obesa.

Comprei o livro assim que soube que iria ter tempo para ler. Comprei e logo comecei a ler por todo canto: intervalos de aulas, ônibus, restaurantes e até mesmo em casa! Sabe, Cíntia, em momentos não gostei do livro. Não achei sua melhor obra. Por vezes tive certeza de aquela era você, sua história, nua e crua. Depois percebi que era você, mas só na emoção. A identificação era a mesma que sentiria qualquer uma que estivesse e/ou fosse gorda (ex-gorda, tivesse medo de ser gorda etc). Torci por sua perda de peso a cada capítulo.

Por dois momentos me senti o paradoxo obeso: li seu livro comento pastel de belém na Casa Cavé. Li seu livro comendo torta de chocolate da Lecadô. Com capuccino da primeira vez e apenas com um copinho d'água na segunda. 

Torci para que não estivesse aparentando ser muito gorda, às vezes a gente escolhe as roupas erradas, você sabe, Cíntia. Tinha aquela sensação de "olha a gorda lendo livro pra emagrecer e se entupindo de açúcar". Mas não dá para evitar. Também tenho antepassados famintos e o olho maior que a barriga (como o Menino Maluquinho). Então me lembrava de que aquilo era literatura e que se danassem aqueles que estivesse pensando que seu livro era auto-ajuda, livro de dieta, a lei da atração pra gordinhos. 

No fim das contas, talvez seu livro tenha sido até mesmo uma homenagem ao gordo culpado e ele merecesse ser lido diante de porções de açúcares, carboidratos, gorduras, pornografia, e todos os outros crimes que ingerimos.

Sabe, Cíntia, fiquei triste quando o livro terminou. Feliz por sua dieta ter dado certo e por eu ainda ter mãe e pai. Espero que a reabilitação seja o destino de todas nós e que consigamos conviver bem com a comida e com a mãe.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O florista


Entrei no ônibus junto com o moço que carregava um maço de botões de rosas amarelas daquelas embrulhadinhas em uma espécie de filó. Meio estranho, o cara. Indo vender flores em Niterói? Desconfiei. Não sentei perto dele, não dei sorte ao azar. Me posicionei de forma que pudesse ver os movimentos do suposto florista. A cidade está policiada, fazia tempo que não passava pela Brasil, muitos policiais militares – e suas armas expostas – nas beiradas das avenidas. Não sei se é bom ou ruim. Polícia na rua é sinal de ladrão né? O florista pôs a mão sob a camiseta suja. É agora. Mas ele só se coçou e aninhou melhor as flores protegendo-as do sol.

Chegamos na ponte a agora não seria um bom momento para um assalto, pois não havia como fugir. Eu desceria no primeiro pontos após a descida. Sentei mais à frente e o homem me olhou. Tomara que não toque o celular, se tocar não vou atender. Não vou dar sorte pro azar. Talvez minha mãe queira saber onde eu estou. Um homem sem braço desce no Mocanguê. O que é pior em um assalto: ônibus cheio ou vazio? Logo hoje que eu saquei dinheiro? Pensei em tirar o ship do aparelho de celular, mas não. Tirar o livro (que já havia terminado de ler) da bolsa e fingir tranquilidade. Mas não. Ele poderia perceber e se tornar agressivo. Ele estava se mexendo demais, talvez nervoso pela arma ou pela passagem por algum posto da polícia.

Se a polícia entrasse no ônibus haveria troca de tiros e eu estava muito longe da janela de emergência. Faltava tão pouco para eu descer. É egoísmo, mas torci pro florista-assaltante começar o assalto depois do meu ponto. Dei sinal muitos metros antes do necessário e fiquei em pé ao lado do motorista. Quando a porta se abriu saltei para calçada e imediatamente corri para o outro lado da rua como se o florista tivesse descido atrás de mim. Mas não. De qualquer forma, não dei sorte ao azar.

Sem olhar para trás tomei minha direção com pena dos passageiros que agora, ou mas tarde, seriam assaltados.  

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Livros me dão náuseas 20

Parque Industrial - Patrícia Galvão (Pagu) : De uma vez só, bem rapidinho.
A escrava Isaura - Bernardo Guimarães: Às vezes é preciso recuperar certas origens ligeiramente constrangedoras.
O Fotógrafo continua me dando certas luzes, muitas náuseas.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Os óculos


A natureza parecia uma manta verde bem fresquinha ao redor do corpo de Julinho. O afago das pessoas em suas bochechas também era mais suave e ele caminhava leve, leve. Depois que ganhara aqueles óculos, tudo havia mudado. Para muito melhor! Tudo bem que havia ficado um pouco mais difícil para acertar o chute na bola e, de certa forma, parecia que ele estava invisível. Todos os seres dos desenhos animados bailavam ao seu redor e a vida tinha ficado igualzinha a anestesia do dentista, só que sem agulha. Eram os óculos. Até que não enxergava mal entes de ganhá-los. Tudo parecia mais ou menos claro até que sua mãe o levou ao shopping e lá Julinho teve a surpresa dos óculos novos. Não eram aqueles de aro fininho dourado, nem daqueles que imitavam não estar de óculos. Eram azuis e vermelhos, com armação grossa que dava um peso estranho no início, e depois adaptação total. A vida de Julinho seria, agora e para sempre, completa como um sonho, pois não precisava de ninguém para guiá-lo pelo mundo. Via. E ver o fazia completo. Em seu coração, agradecia à mãe pela surpresa... Porém, a mãe, essa mesma deusa que tinha antes lhe dado o poder da visão, agora cobrava:
- Gostou do filme, Julinho? (Que filme?)
- Entrega os óculos à moça. (Que moça?)
- Outras crianças vão entrar no cinema agora. (Que crianças?)
- Não chora, filho, semana que vem eu trago você de novo.   

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Seda Azul

Ana saia na rua e que moça feia ouvia dos pensamentos dos outros. Um pouco constrangida, se calava e seguia o passo rumo ao banco, cinema, faculdade, casa. Às vezes soltava o cabelo para ver se o rosto se aninhava aos fios grossos, deixando a feiura menos aparente. Mas os tais fios grossos eram também opacos, quebradiços e muito volumosos e assim, que monstruosidade, pensavam em voz alta os passantes. E seguia o passo, infeliz de ter tantas obrigações a fazer de dia, na luz que tudo revelava, infeliz de não ter um carro (com insulfilme acima dos limites permitidos).

Na volta para casa, Ana passou em frente a um restaurante onde viu uma moça de vestido azul, coque baixo e pequenos brilhantes nas orelhas. Os outros também olhavam, que mulher linda, um coro de pensamentos opinava. Foi andando sem desviar olhar, até que virou a esquina e chegou ao ponto de ônibus. Em casa, Ana pensou na moça e dormiu...

… Para acordar de manhã e não se olhar no espelho de história infantil que denunciaria com voz maléfica a situação estética da moça. Melhor não. Ainda teria de cruzar avenidas sob insultos de pedestres e de motoristas que pensavam você não devia sair de casa! Um acinte aos olhos! 

À noite, na fila do teatro sua solidão viu a solidão de uma mulher muito bonita. De vestido azul. Era seda azul. Coque, brincos e olhares. Divertiu-se com o espetáculo e dormiu sorrindo.

Mais um dia, mais uma noite. E hoje iria a uma boate. Abriu o guarda-roupa, escolheu o que vestir. Ao chegar à boate viu uma moça sozinha mostrando a identidade para o segurança, feia na foto, feia ao vivo, disse o pensamento do segurança. Coitada, disse seu pensamento, e entrou na boate com o único documento que tinha: os olhos. Passou pelo guarda-volumes e, como não levara nada, parou apenas para se olhar no espelho. No reflexo, se viu linda no vestido de seda azul. Um pouco atrás de si, a moça feia se esgueirando entre os frequentadores.