sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Seda Azul

Ana saia na rua e que moça feia ouvia dos pensamentos dos outros. Um pouco constrangida, se calava e seguia o passo rumo ao banco, cinema, faculdade, casa. Às vezes soltava o cabelo para ver se o rosto se aninhava aos fios grossos, deixando a feiura menos aparente. Mas os tais fios grossos eram também opacos, quebradiços e muito volumosos e assim, que monstruosidade, pensavam em voz alta os passantes. E seguia o passo, infeliz de ter tantas obrigações a fazer de dia, na luz que tudo revelava, infeliz de não ter um carro (com insulfilme acima dos limites permitidos).

Na volta para casa, Ana passou em frente a um restaurante onde viu uma moça de vestido azul, coque baixo e pequenos brilhantes nas orelhas. Os outros também olhavam, que mulher linda, um coro de pensamentos opinava. Foi andando sem desviar olhar, até que virou a esquina e chegou ao ponto de ônibus. Em casa, Ana pensou na moça e dormiu...

… Para acordar de manhã e não se olhar no espelho de história infantil que denunciaria com voz maléfica a situação estética da moça. Melhor não. Ainda teria de cruzar avenidas sob insultos de pedestres e de motoristas que pensavam você não devia sair de casa! Um acinte aos olhos! 

À noite, na fila do teatro sua solidão viu a solidão de uma mulher muito bonita. De vestido azul. Era seda azul. Coque, brincos e olhares. Divertiu-se com o espetáculo e dormiu sorrindo.

Mais um dia, mais uma noite. E hoje iria a uma boate. Abriu o guarda-roupa, escolheu o que vestir. Ao chegar à boate viu uma moça sozinha mostrando a identidade para o segurança, feia na foto, feia ao vivo, disse o pensamento do segurança. Coitada, disse seu pensamento, e entrou na boate com o único documento que tinha: os olhos. Passou pelo guarda-volumes e, como não levara nada, parou apenas para se olhar no espelho. No reflexo, se viu linda no vestido de seda azul. Um pouco atrás de si, a moça feia se esgueirando entre os frequentadores.

Nenhum comentário: