segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Amélia e João Carlos

Amélia e João Carlos eram casados há 48 anos. Já não se amavam com o amor dos primeiros tempos. Naqueles tempos em que descobriram que ser um casal era mais do que comer pipoca na praça e conversar no portão de casa. Amélia aprendeu a cortar as cebolas bem pequenininhas porque seu marido não gostava de mastigá-las. João aprendeu a comprar uma revista de modas aos domingo junto com o jornal. Aprenderam a fazer filhos bons e saudáveis.

Aos poucos o amor dos primeiros tempos se transformou em amor maternal de Amélia para com João Carlos. Ele a amava como a uma mãe, fazia malcriação, competia com os filhos por sua atenção. E ela adorava cortar suas unhas, comprar suas roupas, consertá-las, acompanhá-lo nas consultas médicas.

Aos poucos o amor foi mudando, os dois já sem filhos dependiam mutuamente. Amavam-se por ser a única atividade que restara. Já não sabiam como se comportar sem a companhia do outro.

Aos poucos o amor foi mudando e o medo de perder ia se tornando cada vez mais forte. Apegavam-se um ao outro a um corrimão. Amavam-se com desespero dos últimos dias.
Até que João Carlos morreu de enfarte, pouco sofreu. Em compensação Amélia sofreu silenciosamente, como só o sofrimento mais fundo permite.

Sentada na entrada da capela esperava chegar o caixão do marido, sem acreditar que dali em diante não dividiria mais as cebolas e as revistas com João. O carro funerário vinha chegando e sem forças para levantar esperou que abrissem a porta do carro e retirasse o caixão.

Na posição em que estava não viu a caixa de mogno vindo em sua direção, pois estava de costas. Sentiu apenas uma batida contra sua nuca e o baque da testa no chão.

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