terça-feira, 21 de abril de 2009

Sem você (parte 2)

Marina,
espero que a leitura te proporcione não só um ótimo trabalho, mas que ela te engrandeça como estudante e pessoa. E que, no fim das contas, te deixe uma lembrança minha. Os livros são seus. Não conte aos colegas!
Com carinho,
Rosana.


A música soou forte, os tambores sobressaíram. Não, o coração. Então os cinco livros eram presente. Um presente muito generoso. Marina sabia que ficaria sem graça ao encontrá-la na próxima aula e o mínimo que poderia fazer em retribuição era um trabalho merecedor de nota dez.

Na aula, como imaginara, chegou meio constrangida. Sentou-se mais ao fundo do que o normal. Viu a professora entrando. Muito elegante, como sempre. Dessa vez acompanhada pela música. A tal música antiga que perseguia Marina durante os últimos dias. A professora procurou Marina com o olhar e, dando bom dia à turma, piscou discretamente para ela.
Marina teve um sustinho no coração. Pequeno, logo se recompôs, afinal, elas tinham um segredo, era isso que significava.


Depois da aula foram tomar café com outros colegas. A professora estava mais simpática que o normal. Mais alegre. Marina tinha o costume de só chamá-la por “professora”, mas nesse dia foi advertida para que parasse com esse hábito. Deveria chamá-la pelo nome. E “nada de senhora”! Marina riu, sem graça e feliz. Por alguns segundos, enquanto Rosana conversava com outras pessoas, a música ficou tão alta em sua mente que não conseguia ouvir nem o burburinho dos estudantes na lanchonete.


Antes que saíssem da cantina, a professora disse a Marina que telefonasse para ela, pois estava curiosa por saber como as leituras iam. O número do telefone de Rosana soava a canção antiga. Romântica, brega e linda.


Deixou o telefone sobre a escrivaninha e tentou esquecê-lo por enquanto. Melhor ligar no meio da tarde. Não, melhor ligar antes do jantar. Não, depois do jantar. Eram quase dez da noite quando Marina criou coragem e pegou o telefone. Sem saber, Rosana estava sentada em seu sofá tentando ler, mas esperando o telefonema.


Atendeu ao primeiro toque com alô sorridente. Parecia linda em sua voz. Parecia estar de camisola. Marina demorou alguns segundos para entender a pergunta: “E aí, o que está achando dos livros?”. Conseguiu responder, e falar muitas coisas. Já havia terminado de ler todos e falou sobre todos, e acabaram-se os livros para falar e começaram a conversar sobre outras coisas. Muitas. Até duas horas da manhã, quando, pelo bom senso, acharam que deviam se despedir.
A música não deixou Marina dormir. Rosana, sim, dormiu maravilhosamente.


O outro dia era sábado. Marina escreveria seu trabalho. Escreveu uma, mil vezes o nome de Rosana no caderno e nada de resenha. Sábado passou. Domingo de casa agitada, almoço, essas coisas de quem tem família. Marina pediu que não fosse incomodada. Trancou-se no quarto e conseguiu fazer uma excelente resenha.


Quando chegou à faculdade, animada com o trabalho que tinha feito, Marina se viu ao redor dos amigos planejando férias. De fato, seriam os últimos trabalhos do semestre. Em poucas semanas Marina não estaria frequentando as aulas de literatura. A música soou melancólica dessa vez.

Nenhum comentário: