quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Primeiro emprego (1ª parte)

Julia rima com o quê? “O quê” rima com porquê. Quando a gente escreve poesia tem que rimar, mamãe? Acho que tem, pergunta ao seu pai. Cadê papai? Trabalhando.Papai trabalhou muito naquele dia, tanto que não voltou. Depois eu aprendi que poema podia ter rima ou não e que poesia era o gênero. Fulano escreve poesia. Esse poema de fulano é uma porcaria. Hoje eu sei.Cláudia não fazia poesia, nem porcaria, mas era uma coisa bonita e triste.Fomos juntas ao salão pela última vez. Eu fiz luzes, ela uma hidratação e escova. Já estava com os cabelos pela cintura, naturais. Também não teve pai. Aonde vão os pais? Eles somem, deve haver um paraíso tropical onde eles se exilam. E ficam lá, bebendo piña colada, assistindo aos campeonatos de futebol de todos os países.Fazia anos que Cláudia e eu freqüentávamos o mesmo salão. Meu cabelo já havia sido de todas as cores. Mas ela não. Mamãe, preciso trabalhar, a senhora já está doente de novo. Meu filho, eu ainda tenho força, sou nova pra trabalhar em casa de família. É nova, mas está doente. Quero que fique em casa, mamãe. Já estava na hora, dezoito anos, podia ir para a rua, fazer a vida. Ou quem sabe, Julia daria uma força.Preciso de dinheiro, Julia, lá no seu escritório não tem trabalho pra mim? Agora não tem vaga nenhuma, acabaram de contratar três funcionários, mas faz um currículo que eu levo. Que currículo, amiga, eu não tenho nada, nem terminei o segundo grau, e que sacrifício está sendo.A casa onde nascera foi construída pelo avô na ilusão de fazer um casamento para filha. Jamais aconteceu, só uma gravidez. A família estava feita e morava na casa de dois cômodos. Elas foram crescendo ali, se sentindo menos, não querendo mais. Mamãe, não quero ir à escola hoje. Tem que ir meu filho, a escola é o que dá futuro. Que futuro eu tenho? Por que todos me olham? Não pense nos outros, você é só na vida. Eu tenho a senhora. Vamos tomar a sopa. Sempre comíamos com o suor pingando no rosto, salgando a sopa. Mamãe, não quero comer, vou sair.

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